quarta-feira, 20 de junho de 2012

Sobre filmes dublados e a decadência da experiência cinematográfica no Brasil

Se aceitarmos a afirmação de que a vida é uma montanha-russa, a existência do planeta, pelo menos em termos artísticos, está em queda-livre. E essa discussão gera reflexos em diversos setores da sociedade, não somente no que diz respeito ao assunto-tema deste post.
Estamos percebendo um aumento desrespeitoso de cópias dubladas dos filmes em nossas salas de cinema. Isto é apenas mais um indício de como o cinema está se voltando, cada vez mais, a uma mera atividade de lazer. Ou seja, para grande maioria da população, ir ao cinema está se tornando tão profundo e intelectualmente instigante como jogar peca. E a indústria do cinema, cega, não percebe que isso pode levar à derrocada desta arte no Brasil.

Eu não critico a Indústria Cultural e, especificamente, a Indústria do Cinema. Entre tantas coisas que são feitas nesta área, existem muitas porcarias; mas existem, também, grandes produtos (sim, produtos) que nos levam à reflexões interessantes a respeito da sociedade e do comportamento humano, além de nos levar a vivenciar experiências artísticas fascinantes. Esta Indústria, aliás, é que tornou possível, inclusive, o cinema não-comercial, chamado "cinema-arte". E também ela que escreveu a história da Sétima Arte. Portanto, não está - somente - no fato de, a priori, ser uma indústria, a culpa por o que está ocorrendo com a vivência cinematográfica.

É um tiro no próprio pé. As distribuidoras brasileiras estão dublando os filmes para "atarir mais público". E é incrível como tais empresas são tão seletas, taxativas e radicais nas suas decisões, se mostram tão duronas e exigentes a respeito das estratégias comerciais, de distribuição e afins e soem tão ridículas na hora de tomar tais atitudes. Acontece que este público não é o que está semanalmente no cinema, nem o que vai comprar o DVD e, se não comprar, vai à locadora alugar. O público que está sendo atraído para o cinema por conta dos filmes dublados é aquele que só vai à sala escura quando tem um filme comercialmene alucinante, que todos estão vendo, virou modinha e não quer ser o único a não assistir. Além, é claro, de quase sempre, ser um filme repleto de explosões ou contar, no elenco, com algum artista popularmente conhecido por alguma historinha boba. (Digo isso porque este público não está nem aí pra Meryl Streep, por exemplo, mas sim para Kristen Stewart).
Estas pessoas, se gostarem do filme, vão baixá-lo da internet, ou comprá-lo pirata. Quando não, podem até gravá-lo no cinema e distribuir para os amigos. E é para essa gente, que não está nem aí para todos os aspectos psicológicos, antropológicos e artísticos do cinema, que as distribuidoras brasileiras estão se voltando.


Em "Enrolados", da Disney, Luciano Hulk dublou o Príncipe.
Além de a dublagem, por si só, já ser horrível, a distribuidora
nem se deu ao trabalho de contratar um dublador profissional

Eu não digo que não deva existir a opção de filmes dublados. Minha mãe, por exemplo, tem dificuldades de acompanhar a legenda. Mas ela está no grupo de pessoas que já citei: não está nem aí para as questões artísticas da Sétima Arte. Ela raramente se interessa por um filme e, quando se interessa, pouco tem a ver com as questões artísticas, baseadas em construção de personagens e roteiro de um longa-metragem.
Mas existe gente que não tem dificuldade nenhuma de acompanhar a legenda, a não ser pela preguiça. E é esta preguiça que faz com que a pessoa pouco esteja se importando com o trabalho de quem esteve envolvido naquele projeto para torná-lo uma experiência interessante.
Assim, o trabalho dos sonoplastas, editores de som, dos fonoaudiólogos que auxiliam os bons atores a trabalharem sua voz em prol da construção dos personagens, fica esquecido por causa da preguiça de muitos, e as distribuidoras brasileiras não estão nem aí para este trabalho técnico e artístico. Dão de ombros à dedicação e atenção de centenas de profissionais para atender aos caprichos de uma maioria preguiçosa.
Aliás, como bem lembrou o crítico Pablo Villaça, de quem tenho grande admiração e já discorreu diversas vezes sobre este assunto, o aspecto sonoro dos filmes é tão importante que até existe uma premiação específica para isso no Oscar.

Daí entram as consequências sociais desta prática que mencionei lá no início do texto: no mesmo instante que identificamos que a solução para nosso crescimento enquanto seres humanos reside no esforço, na educação, no senso crítico e na sensibilização pela arte, somos empurrados para as salas de cinema sem ter que praticar nada disso: não precisamos ler, nem compreender outras culturas (afinal, no idioma original não são usados expressões, nem gírias brasileiras) e somos dispensados do senso crítico, já que grande parte do trabalho original não poderá ser conferido porque ele foi deletado junto com o áudio original. Deste modo, vivenciamos uma inversão de valores. Aqueles que querem silêncio no cinema são tidos como vilões, e os que conversam são as vítimas daqueles que preferem o silêncio. Sim, eu tive a horrível experiência de passar por uma situação dessa.

Por fim, é de suma importância que compreendamos os aspectos técnicos inerentes ao filme no idioma original. Creio que não é preciso que eu repita, visto que existem textos brilhantes na internet com tal discussão. Recomendo este em especial e creio que seja extremamente necessário a leitura dele para que esta discussão fique completa.
Pra encerrar, deixo aqui uma frase de Pablo Villaça, do texto que linquei:
"Aceitar a dublagem [...] é dizer que não há problema em se alterar as cores de Lição de Anatomia, de Rembrandt, ou de O Grito, de Munch, desde que os 'desenhos' sejam mantidos na íntegra. Ora, nenhuma forma de arte seria submetida a uma deturpação destas - e perceber que algo assim é visto com naturalidade no Cinema é uma prova inconteste da persistente falta de prestígio e respeito que a Sétima Arte enfrenta desde seus primórdios"
Ora... aqui está a questão-chave desta discussão: e quem, dentre os amantes da dublagem, está preocupado com arte?

domingo, 17 de junho de 2012

"Madagascar 3" no Set

O quarteto de animais mais famoso do mundo saiu de Nova York para Madagascar e agora está na Europa. Mas a história original foi esquecida por uma história que... bem... não tem história. Apesar disso, o filme é colorido, divertido e conta com um 3D interessante, apesar de exagerado. A análise completa dessa animação que abriu a alta temporada cinematográfica de 2012 está lá no Set Sétima. Não deixe de conferir!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Museu Mazzaropi: o desconhecido de Taubaté

Acordei cedo. A manhã era ensolarada. Eu ainda não tinha visto nenhum amanhecer em Taubaté. Havia chegado no dia anterior, à noite.
As ruas estavam vazias. Ao longe, ouvia o cantar de um coral. Provavelmente alguma igreja em missa naquele domingo de manhã. Eu estava aflito. Tinha poucas informações das que eu precisava. Desde que eu coloquei meus pés nas terras do Vale do Paraíba, ninguém soube me informar onde ficava o museu do Mazzaropi, muito menos como se chegava até lá.

Pedi informação para uma senhora que passava, sozinha, na rua deserta. Ela também não soube dizer. Outro senhor passou e também perguntei. Ele não sabia, também, onde ficava.

Fui para o ponto de ônibus. Uma moça estava lá. Demorei alguns minutos até que pudesse tomar coragem para perguntá-la alguma coisa. Ela me parecia um tanto indisposta a falar. Respirei:
- Você sabe me dizer como eu faço para chegar no museu do Mazzaropi?
Ela pensou um pouco antes de responder:
- Desculpa, mas não sei te dizer. Mas faz assim: pega o ônibus até a rodoviária velha [que é o terminal central de ônibus em Taubaté]. Lá sai ônibus para toda a cidade. Daí você pergunta.
Lamentei com ela que desde que chegara ali ninguém soube me dizer como chegar até o museu.
Ela fez uma cara de pesar, apenas. Olhou para o outro lado, para a rua:
- Lá vem um ônibus. Esse vai para onde você precisa.
Agradeci.

O ônibus encostou. Eu estava com uma mala e uma mochila nas costas. Foi difícil passar a catraca. Me acomodei e fiquei prestando atenção nos lugares onde o ônibus passava. O ponto final seria no meu local de destino. Não tinha erro!

Engano meu!

O ônibus parou no Centro, mas não na chamada “Rodoviária Antiga”. Andei algumas quadras procurando, mas não achei. Antes de perguntar onde ficava, resolvi ir até um ponto de táxi. Queria evitar que não chegasse ao museu em tempo. Eu tinha somente até meio-dia para fazer minha visita, e já eram quase 9 horas.

- Bom dia, senhor! - Interrompi o taxista lendo o jornal. - Você sabe me dizer quanto custa para chegar no museu do Mazzaropi?
- Museu do Mazzaropi? - Perguntou o homem, pensativo.
- No bairro dos Remédios. - Tentei ajudar com as informações que eu tinha.
- Sei, sim. Acho que uns 15, 20 reais.
Respirei aliviado. Era menos do que eu imaginava.

O carro branco percorria por entre ruas mais movimentadas e outras menos. O taxista começou a contar dos anos passados, quando, ainda jovem, passava por aquelas bandas e via o empresário Amacio andando nas proximidades de seu Hotel Fazenda.
- Conheço gente que tem histórias pra contar do Mazzaropi. Falavam com ele. Eu só via o homem andar sozinho por esse lugar todo aí. - Dizia o taxista apontando para a beira da estrada.
Talvez não fosse verdade que o artista andasse sem rumo pelas ruas de Taubaté. Mas, certamente, era verdade que ele havia estado ali por perto.

Logo atravessamos o viaduto que passava por baixo da Via Dutra. Não demorou, estávamos em frente ao Hotel Fazenda Mazzaropi.
- Quero deixar o garoto aí dentro. - Avisou o taxista ao porteiro. Logo já percebi que ele não sabia exatamente como funcionavam as coisas por ali. O museu não era dentro do Hotel Fazenda. Isso até eu já sabia.
- Preciso ir ao museu. - Me intrometi.
- Ah! O museu? É nessa rua de chão aqui do lado. Um pouco pra frente, depois de um muro vermelho.
Agradecemos e logo já fomos na direção indicada pelo segurança. Mas de prontidão vi que ele não sabia onde estava indo. Contou-me algumas de suas histórias exageradas e eu não via o momento de chegar, enfim, ao museu.

- Acho que já passamos. - Alertei.
- Será? Mas não vi nenhum muro vermelho! - Interpelou o taxista.
- Mas não vejo mais nada lá na frente. Vamos voltar. Aqui até já acabou o muro do Hotel Fazenda!
O taxista concordou. Fez o retorno e logo já vimos o museu. Havíamos passado muito! Paguei e me despedi com pressa. Não estava mais me agradando aquelas conversas.


Entrada do Museu Mazzaropi, em Taubaté/SP

O carro ia se afastando. Me organizei e, antes de entrar, prestei atenção na faixada do museu. Era um prédio novo, moderno, que não remetia nenhum pouco à área rural, ou a engenhos, casas de sapê ou qualquer construção de jecas pobres, os retratados por Mazzaropi. A entrada, aliás, chamava a atenção pelo respeito e cuidado com a acessibilidade.

Mas todo aquele cuidado parecia abandonado. No caminho, eu só havia percebido uma placa indicativa da localização do museu. O transporte para lá não era facilitado. E olha que tudo era menos distante do que eu imaginava!

No ar, o som dos pássaros festeiros espalhados pelo lugar de verde abundante. No chão, as folhas secas se espalhavam na entrada do museu, como se não tivesse sido varrido há dias. Nenhum carro, nenhum movimento. As árvores projetavam sombras no chão por entre as folhas banhadas pelo sol da manhã. E o vento soprava sobre elas, levemente. Quebrando todo aquele silêncio, estava somente o barulho das rodinhas da minha mala.

Entrei. O teto era alto. Olhei para todas as direções e não vi ninguém. Decidi avançar, apesar do medo de o atendimento ainda não ter começado. Mas já deveria! Não eram 9 horas ainda, e, pelo que haviam me passado, o museu abria às 8.

Uma cobertura arredondada e moderna se destaca na arquitetura do espaço. A entrada é uma sala grande e vazia, exceto por alguns equipamentos antigos de filmagem que ficam à direita da porta: câmera, microfone, grua, uma cadeira de diretor, um baú, mesa, travelling. À frente, uma bancada sem ninguém. Me aproximei dela, tomando cuidado para fazer barulho mais que o necessário.

Enfim, alguém surgiu do andar de cima.

- Olá! Bom dia! - Recepcionou-me a moça.
- Bom dia! Eu gostaria de saber como funciona a visitação. Está aberto o museu já?
- Sim, eu vou descer para conversar. Um minuto.

A moça desceu. Gabriela, o nome. Ainda tenho o cartão que ela me deu.
Gentilmente, ela sugeriu que eu acomodasse minhas malas atrás da bancada. Prontamente deixei todo aquele peso no local indicado e segui para uma sala ao lado do hall de entrada, onde começava a exposição.

Ali a história de Mazzaropi é contada em painéis interativos com muitas fotos, e divididos por etapa da vida e da filmografia do artista. Paralelamente à parede onde estão instalados os painéis, ficam as vitrines que guardam muitos materiais de cena: certificados de aprovação pelos censores da Ditadura Militar, figurinos, dinheiro cenográfico, objetos de cena, fitas, latas, máquinas de escrever, entre tantos outros objetos usados por Mazzaropi e em seus filmes.
Naquele mesmo espaço, algumas cadeiras estofadas ficam acomodadas em frente à uma TV, onde é exibido um documentário sobre a vida e a obra do cineasta.

E foi assistindo os filmes, o documentário, conversando com os funcionários do museu, com a população desinformada de Taubaté e lendo muito sobre o maior jeca do cinema nacional, é que eu consegui mergulhar na filmografia de Amacio Mazzaropi.


Figurino e dinheiro cenográfico utilizados no filme
"Nadando em Dinheiro"

A espingarda torta, um dos símbolos do jeca, utilizada em
vários filmes; entre eles "O Grande Xerife"
Placa do curtiço onde o jeca morava em "Sai da Frente"
Este texto é um trecho extraído de "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional", monografia de minha autoria concluída neste ano (2012).