Não é difícil responder a esta pergunta: o declínio do SBT é falta de investimentos, de renovação, de criatividade. Não tem nada a ver com uma eventual derrocada da TV aberta, não.
A TV aberta deixou de ser hegemônica, isso é indiscutível, mas ela ainda é forte e resistirá por muito tempo ainda, principalmente no Brasil. Não há outro meio de comunicação mais democrático, barato e acessível do que a TV aberta. Quem falar aqui em streaming vai levar um peteleco na orelha, porque isso é pensamento de quem conhece pouco (e mal) a realidade do Brasil e suas desigualdades tecnológicas, econômicas e geográficas.
Mas voltemos ao SBT. Atualmente, a emissora ocupa o terceiro lugar no PNT (Painel Nacional de Televisão, índice medidor da audiência nas principais capitais e regiões metropolitanas do país) e em São Paulo (principal mercado publicitário do Brasil). Perdeu a vice-liderança para a Record que, mesmo vendendo a madrugada para a igreja Universal e dando traço de Ibope (ou seja, quase não pontua nas medições), ainda consegue superar a emissora de Silvio Santos na média-dia.
E eu cito a Record porque, embora seja a vice-líder, ela está longe de ocupar o coração e a preferência dos brasileiros. A Record até faz bons números, mas está longe de ser um fenômeno, de provocar memórias afetivas ou de ser assunto em roda de conversa.
Então, a perda do SBT tem mais a ver com a incompetência e imobilidade dos gestores e criativos do que com um eventual mérito da emissora de Edir Macedo.
O SBT de ontem
Topa Tudo por Dinheiro, um clássico do SBT |
Por que falar agora do SBT? Porque me entristece a situação atual da emissora. Embora sempre tenha ocupado a "Liderança absoluta do segundo lugar", como ela própria divulgou décadas atrás em um de seus slogans, ela é parte da história e da memória afetiva da televisão brasileira, algo que a Record jamais alcançou e também não dá indícios de que vá alcançar.
Foi o SBT que trouxe o Bozo para o Brasil, que alavancou a carreira de Angélica, Marília Gabriela, Mara Maravilha (credo!), Eliana, Gugu Liberato, Maísa Silva, Serginho Groisman e Celso Portiolli, que fez o Brasil conhecer e dançar com ET e Rodolfo, que escandalizou (e sexualizou) o país com a banheira do Gugu, que tornou a torta na cara algo divertido... enfim... muito da cultura popular brasileira passou pelo SBT.
Silvio Santos e o elenco da primeira edição da Casa dos Artistas: reality venceu a Globo. |
Foi no SBT que o reality show Ídolos virou uma febre nacional ― e perdeu a graça quando foi para a Record. No SBT, Super Nanny causou alívio a muitos pais e revolta em educadores, psicólogos e pedagogos. O SBT criou a Casa dos Artistas, um dos únicos programas na história a vencer o Fantástico. Do SBT veio Chaves, que virou mania nacional e segue sendo amado até hoje. E também de lá conhecemos clássicos mexicanos como Maria do Bairro ― a telenovela mais assistida do mundo ―, assim como as duas outras Marias da trilogia de Talia: a Marimar e a Mercedes.
No SBT assistimos A Usurpadora e rimos do absurdo título Pícara Sonhadora. Tem o Disney Cruj que permanece na memória afetiva das crianças dos anos 1990, assim como o divertido Fantasia (quem não lembra do “I de escola” da Carla Perez?), o Show do Milhão, o Qual é a Música?, Rebeldes ― que, de novo, perdeu a graça ao ir para a Record ― e, como deixar de fora, o Popstar, que revelou o fenômeno arrasa-quarteirão Rouge e, mais tarde (mas com menos intensidade) o Br'oz.
No SBT o Ratinho deixou de ser um policialesco ridículo como era na Record e se tornou um circo. E se hoje o programa é ridículo tal qual seu apresentador, no seu auge (em que quase derrotava a novela da Globo) era, no mínimo, divertido.
No SBT vimos todos os filmes do Harry Potter e de O Senhor dos Anéis, clássicos modernos incontestáveis. E foi no SBT que tivemos o melhor tratamento para a transmissão da cerimônia do Oscar, que a Globo sempre mostrou incompleto.
Apesar de ter passado por quase todas as emissoras que já existiram no país, Hebe Camargo deixou sua marca no SBT e era a cara da emissora. Assim como Carlos Alberto de Nóbrega, que segue com a sua A Praça é Nossa, programa que nos tempos áureos brigava com Chico Anísio nas noites de sábado da Globo.
E, claro, o SBT é a casa de Silvio Santos. Como esquecer do peão do Baú, do Tentação (sinto saudades, inclusive), das pegadinhas que até hoje são reprisadas de tão divertidas?
O SBT de hoje
Sem Chaves, Silvio Santos inventou um programa sobre nada para preencher os buracos na grade. |
Hoje o SBT é TV de reprises de conteúdos que já perderam o apelo (como das novelas infantis, cujo público já cresceu e um novo público não está sendo alimentado com novas histórias) e programas desinteressantes. A ausência de Silvio Santos, causada pelas limitações da pandemia de Covid-19 empurrou as filhas do apresentador a assumir a posição dele. Era um movimento esperado, claro, considerando a idade do animador. Porém, a perda da graça só prova que as filhas dele não têm o mesmo apelo, nem o mesmo carisma.
Hoje ninguém lembra do SBT. A TV não produz nada que fique na memória das pessoas. Celso Portiolli comanda um Domingo Legal que se divide entre Passa ou Repassa (repassado) e um jogo patrocinado pela loja de um lunático. Eliana, ainda que vença na audiência, tem um programa assistencialista sem animação alguma. O Casos de Família perdeu o apelo, as novelas mexicanas soam cada vez mais desinteressantes com a farta oferta de conteúdos melhores em várias mídias e nem os programas do Baú chamam a atenção.
Vem pra Cá: uma das poucas criações recentes e originais da emissora. Com apresentadores sem carisma, atração durou apenas 10 meses. |
O jornalismo é pífio e qualquer novidade esbarra na falta de investimento em conteúdo e equipe (caso do terrível Fofocalizando) e na total ausência de carisma dos apresentadores (como visto no extinto e breve matinal Vem Pra Cá). Sobra o esporte, no qual a emissora tá se agarrando como uma boia de salva-vidas. Mas nem nisso o SBT consegue agradar. A maior parte das pessoas que acompanha futebol não gosta das transmissões da emissora. Sobram reclamações e as competições são jogadas no meio da programação com quase nenhum outro espaço ao longo da grade da emissora. É como se o futebol fosse um espaço comprado, não uma atração integrada às demais atrações.
Além do mais, a falta de experiência e cacife para manter os campeonatos coloca a TV em risco. As ligas europeias até podem permanecer na casa, considerando que seus principais concorrentes são TVs pagas, mas a Libertadores, por exemplo, já sofreu uma dura investida da Globo, que a quis de volta para sua programação.
Se, no combo, o SBT perder o Silvio Santos, a emissora corre o risco de morrer. Corre o boato que o homem do Baú já colocou a TV à venda por R$ 1 bilhão. A ver se alguém interessa. Se continuar com os Abravanel, é capaz de virar uma Record 2, mas com menos investimento e com conteúdo religioso e um ou outro reality show para preencher a programação. Se for vendida, corre o risco de virar mais uma Rede TV ou ser porta-voz das sandices da Jovem Pan, que até pouco tempo procurava uma rede aberta para estrear seu canal de notícias — acabou ficando na TV fechada mesmo.
Seja como for, sem uma profunda e urgente mudança, o SBT não sobrevive. Sem investimentos em streaming e com uma programação velha e modorrenta, não sobrarão atrativos aos telespectadores e muito menos ao mercado publicitário. Triste. Esperamos que minhas previsões não se concretizem e que a TV da Anhanguera se profissionalize para lembrar os bons tempos. Fazer isso descolando-se da imagem de Silvio Santos será um desafio, mas indispensável à sobrevivência da empresa.