segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Na era do YouTube e dos fast textos, por que mantenho um blog?


Vivemos em uma época extremamente difícil para todas as pessoas que se propõem a desenvolver conteúdo de qualidade, especialmente no formato de textos. A leitura tem se tornado uma prática cada vez menos presente no dia a dia das pessoas. Obviamente que é fácil relativizar essa informação. De algum modo podemos dizer que nunca lemos tanto quanto atualmente. Por outro lado, qualquer texto com mais de quatro linhas é taxado de “textão”, para a fúria e o escárnio das pessoas nas redes sociais. Quer dizer, as pessoas até leem, mas desde que sejam textos rápidos, curtos e diretos. Para tanto, não é difícil vermos produtores de conteúdo recorrendo a imagens e vídeos como forma de garantir a atenção do público.

Diante disso, por que eu insisto em continuar com um blog? Quem é que reserva minutos dos seus dias para ler textos longos em um espaço como este? Por que não escolher outro formato? São perguntas que, não raro, eu faço a mim mesmo. Permitam-me, portanto, dividir minhas reflexões e inquietações com vocês.

Sinceramente, não faço ideia de quem é que acompanha O Andarilho. Não tenho leitores fixos, mas os indicadores mostram que sempre tem gente por aqui. Tomei como meta deste 2018 atualizá-lo com regularidade, até por uma questão de necessidade, tendo em vista o lançamento de Em Busca do Reinado e, com ele, o fato de eu precisar de projeção para fazer esse projeto dar certo. E escolho permanecer no blog porque eu vivo de texto. Na minha concepção, ele permite que o interlocutor absorva melhor o conteúdo, porque é possível retornar a um tópico anterior, acompanhar a discussão na velocidade que preferir, comparar com outros textos ao mesmo tempo, além de exigir mais exclusividade na atenção. Basta ver que muitas pessoas acompanham vídeos ao mesmo tempo que executam outras atividades.

Isso não quer dizer que eu condene, não goste ou não veja valor em outras plataformas. Pessoalmente, sou fã de conteúdo em áudio, como podcasts, e também vídeos. Já trabalhei com jornalismo televisivo (e quem acompanha ou passeia um pouco aqui pelo blog pode ver que eu falo muito de TV) e meu Projeto Experimental na faculdade para conclusão do curso foi um radiodocumentário. A questão é que eu entendo que, num mundo em que o texto está cada vez mais desvalorizado, manter um blog é uma questão de princípio.

A deficiência na leitura está afetando os leitores

Meses atrás eu conversava pelo Twitter com uma amiga minha sobre um mal que tem acometido ela e muitas outras pessoas declaradamente leitoras: elas estão tendo dificuldade em ler livros. Simplesmente não conseguem. Quer dizer, acompanhar uma obra literária tem sido uma tarefa cada vez mais penosa e menos prazerosa a cada dia. Alguns textos que essa minha amiga indicou nessa conversa atribuem este fato ao excesso de micro-textos a que somos submetidos todos os dias, dificultando o processo de concentração na hora de encarar uma quantidade maior de palavras.

Eu acho isso extremamente preocupante. Não só porque eu sou um escritor, mas especialmente porque tal realidade demonstra uma questão extremamente grave na nossa sociedade: as pessoas estão perdendo a capacidade de se informar.

É só reparar nessa onda de meias-informações, consequência de gente que só lê manchetes e não está nem aí para os textos. Também há as fake news (notícias falsas), sintoma de quem não está aberto a questionamentos sobre aquilo que tem como verdade. Daí, essas pessoas espalham informações falsas para dar voz às suas próprias convicções. Há o mal das problematizações sem sentido, causada por uma necessidade de atenção, que impede de ponderar argumentos e evitar expor pessoas e lugares por questões menores; e, o pior de tudo, a falta de leitura empobrece a busca pelo conhecimento, as discussões, o aprendizado (escolar ou não), a capacidade de argumentação, o vocabulário, o respeito à língua portuguesa (evidenciado pelo pavoroso estrangeirismo) e o conhecimento da nossa gramática.

Dessa lista, a informação via manchetes e as fake news precisam ser abolidas do nosso dia a dia. Estarmos atentos a correntes de Facebook e WhatsApp é um passo fundamental para não cairmos nesse erro. Contudo, ninguém deve deixar de problematizar, até porque, creio, essa é uma ferramenta democrática e essencial para o diálogo em busca de uma sociedade melhor. E, afinal de contas, não é isso que fazemos num blog na maior parte do tempo? A questão é o que, por que e como problematizar. 

Ao mesmo tempo, também não deixaremos de usar nossos belíssimos regionalismos, as práticas palavras do chamado internetês, gírias ou expressões estrangeiras. O importante é não perdermos o respeito, o amor e o cuidado com o nosso idioma, tão menosprezado — especialmente entre os que cultivam o complexo de vira-lata, dizendo que tudo que é do Brasil não presta.

Ter e manter um blog é, portanto, uma iniciativa de valorização do texto. É buscar enriquecimento intelectual por meio de discussões profundas, sadias e respeitosas. É trocar conhecimento de qualidade, não perder o hábito da leitura e não permitir que os fast textos nos engulam.

É por tudo isso que mantenho um blog. Eu gosto de ler, gosto de escrever e penso que esses são alguns dos caminhos essenciais para transformarmos para melhor nosso país. Se estivéssemos mais abertos a novos conhecimentos, a discussões saudáveis, ao diálogo, à leitura e à informação, certamente estaríamos — não só o Brasil, mas o mundo — em uma situação de mais paz e compreensão mútua com as diferenças.

Meu blog é muito pequeno para conseguir tudo isso e estou longe de propor essas discussões mais profundas e sérias. Mas é o meio singelo que eu disponho para lutar.

A palavra escrita representou uma revolução para o conhecimento da humanidade, e continuo acreditando firmemente que ela ainda tem esse potencial.

Nada superará o texto. É por isso que estou aqui.

"Milhares de pessoas acreditam que ler é difícil, ler é chato, ler dá sono, e com isso atrasam seu desenvolvimento, atrofiam suas ideias, dão de comer a seus preconceitos, sem imaginar o quanto a leitura os libertaria dessa vida estreita. Ler civiliza"
Marta Medeiros

3 comentários:

Anônimo disse...

É muita viadagem o que eu vou falar, mas eu preciso dizer: a gente tá sempre em sintonia! haha
Também estipulei a meta de voltar para o Covil esse ano. Mantê-lo atualizado, talvez quinzenalmente. Vamos ver se vai dar certo.

Quanto ao restante do texto, eu tenho percebido isso há muito tempo. Já há uns 3 anos que eu venho tendo dificuldade de assimilação de grandes textos ou livros. Me lembro com nitidez de todos os livros que li até lá pelos meus 25 ou 26 anos. Mas daí pra frente a memória começou a falhar... muitas vezes leio um livro e, meses depois, já esqueci como ele terminou. Fico tentando lembrar o que houve no final da história e tá tudo bloqueado. Mas não só isso.. a atenção caiu também. Começava a ler um texto grande e logo me distraía, parava... e tinha de voltar uns 3 ou 4 parágrafos para pegar de volta o sentido do que estava lendo.

Há muito anos (muitos anos mesmo, antes de eu me mudar pra SP pra estudar) eu li sobre como os professores devem dar aula na escola para manter atenção do aluno. O texto dizia que o professor deveria falar por 15 minutos e pausar para conversar e distrair os alunos. O motivo era o seguinte: toda a população estava acostumada com a TV, fora realmente criada diante da TV. Seu cérebro estava treinado para prestar atenção por 15 minutos e depois descansar durante o intervalo comercial. Se isso é verdade, imagine a atual geração, treinada aos 145 caracteres do twitter. Treinada a assistir e parar o vídeo quando bem quiser, sem a necessidade de esperar 15 minutos para aliviar a mente. Podendo assistir 30 segundos e parar se quiser. Imagine como funciona a programação cerebral dessa geração!!!

Pois bem, eu percebi que estava assim e, sem querer, acabei solucionando o problema. Me afastei do Facebook! No início me afastei por já estava de saco cheio das discussões políticas sem embasamento e das diversas mentiras disseminadas pela rede através dali. Puta povo ignorante do caralho que fica aparecendo na minha linha do tempo. Para minha surpresa, me afastar do Facebook fez um bem gigantesco para a minha mente! Ano passado li 22 livros e estão todos frescos na memória. E bastou apenas 1 ano longe das redes sociais para me recuperar!

Juliano Reinert disse...

Snaga, se formos ver o histórico de comentários nossos aqui no blog tem muita viadagem registrada haha. Então, relaxa. Nada novo no front.

Sobre esse lance dos 15 minutos, eu já tinha lido sobre. E faz todo sentido essa falta de atenção causada pelas formas modernas de consumo de conteúdo. Acho que ainda não sofro desse mal porque sou absurdamente avesso a modernidades (muito Tolkien eu haha). Mas, sério. Eu até tenho e alimento todas as redes, mas não passo horas no celular, não.

Logo que virou o ano, como não posso sair do Facebook por trabalhar com redes sociais (e também tem o meu livro, que preciso divulgar), ao menos excluí o aplicativo do meu smartphone. Não quero ficar recebendo notificações toda hora. Não quero esses debates infundados que você mesmo mencionou poluindo meu dia a dia.

Acho que esse é o caminho. Pena que a minoria pensa assim.

p.s.: percebi a sintonia. Fiquei feliz em ver que você tinha voltado ao Covil com o texto sobre o livro do seu amigo, mas mais feliz ainda em verificar que a regularidade se manteve com o segundo texto deste ano. Espero que permaneça assim. Tô acompanhando. Só não comentei lá porque não li (ainda) nenhum dos dois livros.

Aline Lima disse...

Oba!! Mais um textinho pronto para animar esta semana. Estou super feliz que você está cumprindo sua meta e ainda mais com reflexões tão valiosas. Realmente essa dificuldade de leitura está presente nesse estilo de vida "imediatista" para o qual somos constantemente empurrados. Eu, por exemplo, tenho tido sérios problemas de concentração de modo geral e o hábito que tinha de devorar livros praticamente morreu. Sinto a mesma dificuldade do seu amigo em absorver o conteúdo dos livros e isso também tem me preocupado. Tanto que estabeleci como meta ler 1 livro por mês (mas quero ler pelo menos 2). Também acho importante a proposta que o blog tem e, por isso, também faço tanta questão de ter e manter o meu. Quando atualizados com bom conteúdo, os blogs são um cantinho muito especial porque realmente podem tocar os leitores de alguma forma. Não que os vídeos ou áudios não consigam isso, pelo contrário, mas acredito que a palavra escrita tem uma força especial.