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domingo, 3 de janeiro de 2016

O meu preconceito que me envergonha e o processo de desconstrução

Quando resolvi assumir o compromisso pessoal de manter este espaço atualizado, meio que fiz uma revisita às publicações antigas. O objetivo era verificar a periodicidade dos posts, em quais momentos eu havia sido mais dedicado ao blog e como eu me organizava para garantir que ele sempre tivesse conteúdo novo. Mas este exercício acabou resultando em uma outra reflexão, que quero compartilhar com vocês.

A primeira constatação: como o meu texto evoluiu! Não só em questão de estilo, mas na precisão da escrita mesmo. É até vergonhoso verificar como as coisas eram, a maneira como eu organizava as ideias, a forma de colocar os argumentos, enfim... E isso que eu achava que escrevia razoavelmente bem.

Mas o desconforto em ver a minha escrita anos atrás não é nada se comparado à minha evolução como pessoa. Neste item, sim, eu me senti profundamente enojado com certas coisas que eu mesmo colocava.

Machismo disfarçado de  "sou romântico"

 

A primeira coisa que notei foi como eu era machista! Num post vergonhoso intitulado “A mulher perfeita”, por exemplo, ao “analisar” o comportamento feminino em uma sexta à noite, eu escrevo: “Chuva e frio e cambada [olha que construção horrível] de mulher de top e minissaia. Quando não,
um vestidinho fino e curto. É bom ver, não nego [o grifo não é original], mas muito mais bonito seria algo menos ridículo”.

A maior escrotice, além de querer ditar com qual vestimenta as meninas podem ou não se sentir à vontade para se divertir é dizer “é bom ver, não nego”. Gente! Como eu podia pensar assim? Que ridículo! Que vergonhoso! Como se as mulheres fossem alguma mercadoria exposta para que eu diga “estão ridículas, mas é bom ver”. Como se elas estivessem se vestindo para me agradar. Como se devessem obedecer às vontades e desvontades dos machos de plantão. É bom mesmo que eu tenha evoluído nesse aspecto.

Em outro post, “Marcando posições”, destilo meu preconceito ao afirmar, taxativamente, que funk não é música. E no mesmo post, em certo “argumento”, faço mais uma colocação nojenta e machista, que não vem ao caso (tem algo a ver com “pegar” mulher).

Enfim, os exemplos são inúmeros. E a partir daí comecei a notar o quanto eu precisei exercitar a desconstrução para ser uma pessoa mais crítica e com um pouco mais de senso de justiça. Não vou dizer que hoje sou um ser perfeito, que alcancei o nirvana e sou dotado de todo o conhecimento do mundo. Não! Até porque, daqui a alguns anos, vou reler outros posts do blog e ver o quanto eu fui ridículo em novas situações.

Mas o fato é que percebi o quanto eu era preconceituoso, machista e homofóbico. Talvez ainda o seja, mas em outra medida. A diferença é que hoje me policio e sei, na maior parte das vezes, quando estou falando uma bobagem. E ainda que não tenha expressado claramente nenhuma posição homofóbica em algum texto do blog, lembro como eu me comportava na escola, como eu ria e fazia os outros rirem com “piadas” sobre alguns colegas de turma, professores e professoras que, na visão da maioria, tinham algum trejeito homossexual (como se isso significasse alguma coisa ou como se isso fosse motivo de riso).

Uma forma de agir na rede e outra na vida


E aqui vale um adendo bem importante: eu nunca fui popular. Eu nunca fui o fodão da escola. Eu nunca me considerei uma pessoa de direita, mas aqui me comportava como tal. E o mais importante: este ser que escrevia essas coisas não era eu. Não tinha nada a ver com a forma como eu vivia, falava, me comportava. Eu não era pegador, eu não era dado a cantadas, eu não era o padrão de homem macho-alfa. Ao contrário: tive ótimos professores, colegas sensacionais que foram muito importantes para que eu construísse minha visão de mundo. Ainda assim, aqui nos textos, e em alguns pensamentos e atitudes não expressas, eu exercitava todas essas coisas ruins, características tão divergentes daquelas pelas quais eu era conhecido: o garoto estudioso, tímido, artista e religioso da escola e do bairro.

Isso me fez ver o quanto a minha trajetória explica esse momento de tanto ódio e falta de reflexão que vivemos na sociedade. Percebam: eu não me considerava alguém intolerante. No dia a dia não era alguém raivoso ou violento, não tinha nenhuma característica de alguém desrespeitoso ou preconceituoso, mas no meu íntimo e, especialmente, na rede (aqui no blog), externava toda essa prodridão que existia dentro de mim. E isso que sempre fui um rapaz da igreja, católico praticante e fervoroso (outra característica que pode ser notada na história do blog).

Como a igreja e a TV podem influenciar para o mal


Mas, afinal, o que me influenciava a ser desse jeito? Primeiramente, e inegavelmente, a igreja. Não é um achismo! É uma constatação ao observar a minha vida, a minha experiência. Justamente por eu estar tão imerso nessa realidade, tão envolvido no discurso religioso fundamentalista, que eu condenava taxativamente, sem poréns ou cuidados com as palavras, o comportamento feminino.

Lembro que em grupos de jovens e, de forma mais marcante, em um fim de semana na TV Canção Nova, onde participei de um retiro que eles denominam PHN (Por Hoje Não), o cantor Dunga comparava mulheres que se vestem mais à vontade a pedaços de carne velha expostos em um açougue. Eu cultivei comigo esse pensamento por anos. Num DVD da banda Anjos de Resgate, eles
comparavam homossexuais a bandidos e traficantes. “Se você não cuidar do seu filho, um bandido vai enganar ele, um traficante vai levá-lo para ele, um homossexual vai enganar ele”, diziam (ou algo parecido, não são as palavras exatas, mas era esse o sentido).

Lamentavelmente, vejo muitas pessoas agirem como eu agia, pensarem como eu pensava, motivados por esse tipo de influência.

E quem colocava mais lenha na fogueira era a TV. O Luiz Carlos Prates, aquele mesmo que defende administração militar nas escolas públicas, os presidentes da época da ditadura, e que disse que pobres não podem ter carros porque não sabem ler, era meu ídolo. O personagem que ele vivia no Jornal do Almoço, da RBS TV (afiliada da Rede Globo em SC), era uma inspiração para aquele garoto que sonhava em ser jornalista. Para mim, ele falava as mais profundas verdades, era sincero, não tinha meias palavras, enfim, era um exemplo. Por outro lado, pelo fato de a igreja criticar muito a “libertinagem” da TV, eu, no mesmo momento que a tinha como escola, também me considerava o supercrítico, e assim pensava que estava causando ao pensar e expressar certas coisas.

Eu não vou linkar aqui os textos que mencionei porque eles não representam o que eu penso hoje em dia e também não acho que valha a pena perder tempo com eles. São medíocres. Por outro lado, não vou excluí-los do blog, porque eles demonstram a minha evolução enquanto pessoa e cidadão, e pelo menos serviram para eu ser mais crítico comigo mesmo antes de criticar o mundo.

A raiz do ódio nosso de cada dia 

Diante disso tudo, percebo no Brasil atual um comportamento muito parecido com aquele que sempre tive: pessoas que se consideram críticas, mas que os pensamentos são resultado de uma combinação perigosa: o pior das religiões, misturado com a artificialidade do fazer pensar da TV, mais um sentimento de pessoa justa e honesta, que o coloca acima de qualquer questionamento, especialmente o próprio.

Isso não quer dizer que a TV deva ser banida da vida de qualquer pessoa. Só é urgente que ela não seja a única forma de entretenimento e informação. Também não quer dizer que alguém não possa ter uma religião, mas ela não pode ser considerada inquestionável. E sempre vale lembrar que acreditar em Deus e viver os bons ensinamentos bíblicos, por exemplo, como o amor e o respeito, é diferente de viver cegado por qualquer dogma.

Espero que eu possa melhorar cada dia mais, para que eu não seja mais um a perpetuar o machismo, a intolerância e o preconceito. E espero, ainda mais, que mais pessoas possam olhar para o seu passado, seus pensamentos e suas posições e repensem suas atitudes à luz da necessidade de uma sociedade mais humana e justa.

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