Foto: Bruno Passos, do blog Papo de Homem, que participou de um dos dias do protesto. Pacificamente. |
Tenho acompanhado os
protestos em São Paulo contra o aumento da tarifa do transporte coletivo e
venho sentindo uma inveja (das boas) da galera de lá. Meu sonho é que a
população joinvilense fosse politizada e mobilizada dessa forma.
Porém, a grande
imprensa tem divulgado notícias sobre as manifestações com aquele jeitinho
joinvilense de pensar: todos baderneiros, jovens sem causa, arruaceiros,
vândalos. Como eu disse esse dias, estão fazendo um recorte bem tendecioso de
tudo o que está acontecendo na capital paulista.
Eu torço de verdade
para que o movimento consiga alcançar o objetivo que almeja, que a tarifa seja
revogada e que São Paulo seja referência de mobilização para o restante do
país. Mas também torço para que, um dia, essa imprensa suja e escrota que existe
e mina a cabeça de pessoas menos críticas mude sua forma de pensar, ou sucumba
de vez, dando espaço a um jornalismo independente e comprometido com a
prestação de serviço.
Enquanto meus sonhos
não são realizados, pipocam na rede textos que retratam o avesso daquilo que a
grande imprensa mostra. Mas o mais completo, profundo e reflexivo que eu li
nestes últimos dias é este que apresento para vocês aqui. Ele é de autoria do
Rafael Fontenelle e eu tomei conhecimento desse texto primoroso a partir de um
compartilhamento de um dos meus contatos no Facebook. Eu não conheço o Rafael,
mas ele me autorizou, com bastante gentileza, que eu transcrevesse as palavras
dele aqui no Andarilho.
Espero que vocês
gostem e que essa discussão fique ainda mais calorosa. Nós precisamos disso
para, aos poucos, mudarmos o Brasil. É meu sonho!
Fico aqui vendo as fotos e os comentários sobre o protesto
sobre o preço do transporte público em São Paulo, e pensando que o Brasil dá
errado porque a maioria das pessoas não sabe ser.
Primeiro você tem as pessoas que são ignorantes. Não num
sentido pejorativo, digo das pessoas que receberam nenhuma ou pouca educação ou
tiveram nenhum ou pouco acesso à nossa chamada cultura, ou aos trâmites
internos da sociedade. Essas pessoas representam uma grande maioria, e
infelizmente ficam facilmente sugestionadas à malícia de outras, mais
esclarecidas de como o "sistema" funciona, que usam isso em favor
delas.
Daí você tem as pessoas burras. A pessoa burra é aquela que
vai numa manifestação sobre o preço do transporte público em São Paulo, ou numa
manifestação contra o policiamento na USP, porque acha que manifestação
significa baderna. E vai com o único intuito de quebrar tudo. Ou então tem
algum ideal vazio, e aproveita dele para ir lá e: quebrar tudo. Ele não quer
saber pra que é aquilo, se tem uma causa política, se tem um contexto, ou se
vai machucar alguém, tanto do movimento, quanto da polícia. A pessoa burra quer
quebrar tudo. Essa pessoa, além de burra, é perigosa, porque descredita qualquer
possibilidade de bom uso das causas, e dá armas pra determinados veículos de
imprensa fazerem uma série de generalizações. A pessoa burra dá tiro no pé. Ela
depreda o bem que ela pagou pra ser feito, que vai pagar pra consertar. Ela
queima o ônibus onde ela mesma anda e reclama da lotação.
Daí vem as pessoas muito burras. A pessoa muito burra é
aquela pessoa que é esclarecida o suficiente, e
Foto: Agência Brasil. |
ainda assim assiste a televisão
ou vê na internet sobre o caos e a baderna na Paulista, ou na USP, e acredita
piamente que aquelas pessoas TODAS realmente saíram de suas casas apenas para
ir lá e quebrar tudo. Apenas para isso. A pessoa muito burra acha MESMO que
dezenas, centenas, ou milhares de pessoas são baderneiros, ou maconheiros, e
que ainda bem que existe a santa polícia pra salvar o dia, e acha que bala e
gás lacrimogênio é pouco. Acham 20 centavos uma mixaria, e o protesto um
absurdo, pois aumentos são naturais. Não passa pela cabeça delas as pessoas que
dependem desses 20 centavos diários, ou a péssima qualidade do transporte, ou
quantos meios de transporte a pessoa é obrigada a pegar por dia, ou sequer se
esse aumento simplesmente é ou não justo frente às concessões e ilegalidades
que faz parte do governo deste país, desde sempre, independente de partido. E a
pessoa muito burra, apesar de esclarecida, parece que não sabe que o voto, os
direitos trabalhistas, as férias, dentre tantas coisas, foram conquistadas por
meio de "badernas".
Daí tem outras duas classes de pessoas, menos perigosas,
cada uma para o seu lado. Os alienados, que veem tudo e optam por achar que o
mundo é assim mesmo e é uma bosta e deixam pra lá, e os internéticos, que veem
tudo na internet, assinam petições, e ficam putos, cada um pro seu lado, mas se
movem o máximo que a tela do computador permite (eu certamente, infelizmente,
me enquadro nesse último).
Mas o problema maior do país são duas classes muitíssimo
infelizes e perigosas de pessoas, que são o tomador de conta e o oposicionista.
O tomador de conta não liga muito pra em que época ou século
ele está, nem pro que está acontecendo no mundo. Ele liga pra vida dos outros.
O tomador de conta quer decidir por si mesmo quem tem direito a que, quem deve
ir aonde, quem deve casar, quem deve sair na rua, quem deve ser preso, e quem
deve morrer. Ele se sente desrespeitado pela mera existência de uma pessoa que
não pensa igual ele. Mesmo que nunca a tenha visto na vida. Ele toma conta da
vida dos outros, porque a dele é completamente vazia. E, nessa vida vazia e sem
contexto, ele quer impor o seu pensamento ao pensamento dos outros. Nos
tomadores de conta está a temível subcategoria dos xiitas, que não apenas tomam
conta e apontam dedos, mas usam de suas armas para fazer sua vontade. Mas não
fazem sua vontade na própria vida, nem fazem dela melhor. Toda a energia vai é
pra vida do outro. Já que a dele tá mesmo uma grande bosta.
O oposicionista é o cara cuja única função no mundo é: opor.
Ele não tem nenhuma ideia plausível de como mudar o país, ou a política, ou
talvez nem o próprio armário. Se tiver, a ideia é de alguém que não é do
partido que ele gosta, mas do partido contrário àquele que ele odeia. O que ele
faz é: culpar uma coisa, em detrimento de outra. O oposicionista é aquele cara
que ficou preso lá atrás, na época em que direita e esquerda faziam sentido, e
que o PT e o PSDB representavam antípodas políticas no Brasil. Se mantendo
nesse viés, tudo que o oposicionista faz é pegar todo e qualquer tipo de
situação e culpar no governo de [insira aqui um partido ou um político
conhecido]. O oposicionista da esquerda acha que é tudo culpa da direita, deste
governo maléfico e aproveitador, que engole tudo e todos. Reaças. Tudo que
TODOS os tucanos querem é denegrir a sociedade em proveito próprio e só isso. O
oposicionista da direita, na contra mão, acha que é tudo culpa da esquerda,
claro; este governo assistencialista ignorante, com suas falsas políticas de
valorização de massas. Tudo culpa deles. Petralhas. Esse acha que a ditadura
dos pobres está sendo maleficamente arquitetada a cada minuto. E tudo, TUDO, é
culpa do Lula.
Daí, no fim de tudo, todo mundo se pergunta: é esse o país
que vai sediar a Copa? Sendo que na verdade esse “país” que vai sediar a Copa
tão precariamente (tanto pros que acham que vai faltar verba quanto pros que
acham que isso nem deveria existir aqui, por não ser prioridade) só é essa
belíssima bosta por nossa culpa. O cara que tá lá na Paulista protestando
contra o aumento da passagem tá pelo menos exercendo o direito DELE, de
protestar contra o governo que o representa. Em voz alta, em plena
visibilidade, sem apontar dedo pra ninguém além dele mesmo. Tudo que ele quer é
o direito dele, ou pelo menos ser convencido do porque esse direito foi mais
limitado. Daqui até a Copa, qual tipo de brasileiro a gente vai ser?
*Este texto é de
autoria de Rafael Fontenelle e foi
publicado originalmente no perfil dele no Facebook.