Quando resolvi assumir
o compromisso pessoal de manter este espaço atualizado, meio que fiz
uma revisita às publicações antigas. O objetivo era verificar a
periodicidade dos posts, em quais momentos eu havia sido mais
dedicado ao blog e como eu me organizava para garantir que ele sempre
tivesse conteúdo novo. Mas este exercício acabou resultando em uma
outra reflexão, que quero compartilhar com vocês.
A primeira constatação:
como o meu texto evoluiu! Não só em questão de estilo, mas na
precisão da escrita mesmo. É até vergonhoso verificar como as
coisas eram, a maneira como eu organizava as ideias, a forma de
colocar os argumentos, enfim... E isso que eu achava que
escrevia razoavelmente bem.
Mas o desconforto em
ver a minha escrita anos atrás não é nada se comparado à minha
evolução como pessoa. Neste item, sim, eu me senti profundamente
enojado com certas coisas que eu mesmo colocava.
Machismo disfarçado de "sou romântico"
A primeira coisa que
notei foi como eu era machista! Num post vergonhoso intitulado “A
mulher perfeita”, por exemplo, ao “analisar” o comportamento
feminino em uma sexta à noite, eu escrevo: “Chuva
e frio e cambada [olha que construção horrível] de mulher de top e minissaia. Quando não,
um vestidinho fino e curto. É
bom ver, não nego [o
grifo não é original],
mas muito mais bonito seria algo menos ridículo”.
A
maior escrotice, além de querer ditar com qual vestimenta as meninas
podem ou não se sentir à vontade para se divertir é dizer “é
bom ver, não nego”.
Gente! Como eu podia pensar assim? Que ridículo! Que vergonhoso!
Como se as mulheres fossem alguma mercadoria exposta para que eu diga
“estão ridículas, mas é bom ver”. Como se elas estivessem se
vestindo para me agradar. Como se devessem obedecer às vontades e
desvontades dos machos de plantão. É bom mesmo que eu tenha
evoluído nesse aspecto.
Em
outro post, “Marcando posições”, destilo meu preconceito ao
afirmar, taxativamente, que funk não é música. E no mesmo post, em
certo “argumento”, faço mais uma colocação nojenta e machista,
que não vem ao caso (tem algo a ver com “pegar” mulher).
Enfim,
os exemplos são inúmeros. E a partir daí comecei a notar o quanto
eu precisei exercitar a desconstrução para ser uma pessoa mais
crítica e com um pouco mais de senso de justiça. Não vou dizer que
hoje sou um ser perfeito, que alcancei o nirvana e sou dotado de todo
o conhecimento do mundo. Não! Até porque, daqui a alguns anos, vou
reler outros posts do blog e ver o quanto eu fui ridículo em novas
situações.
Mas
o fato é que percebi o quanto eu era preconceituoso, machista e
homofóbico. Talvez ainda o seja, mas em outra medida. A diferença é
que hoje me policio e sei, na maior parte das vezes, quando estou
falando uma bobagem. E ainda que não tenha expressado claramente
nenhuma posição homofóbica em algum texto do blog, lembro como eu
me comportava na escola, como eu ria e fazia os outros rirem com
“piadas” sobre alguns colegas de turma, professores e professoras
que, na visão da maioria, tinham algum trejeito homossexual (como se
isso significasse alguma coisa ou como se isso fosse motivo de riso).
Uma forma de agir na rede e outra na vida
E
aqui vale um adendo bem importante: eu nunca fui popular. Eu nunca
fui o fodão da escola. Eu nunca me considerei uma pessoa de direita,
mas aqui me comportava como tal. E o mais importante: este
ser que escrevia essas coisas não era eu.
Não tinha nada a ver com a forma como eu vivia, falava, me
comportava. Eu não era pegador, eu não era dado a cantadas, eu não
era o padrão de homem macho-alfa. Ao contrário: tive ótimos
professores, colegas sensacionais que foram muito importantes para
que eu construísse minha visão de mundo. Ainda assim, aqui nos
textos, e em alguns pensamentos e atitudes não expressas, eu
exercitava todas essas coisas ruins, características tão
divergentes daquelas pelas quais eu era conhecido: o garoto
estudioso, tímido, artista e religioso da escola e do bairro.
Isso
me fez ver o quanto a minha trajetória explica esse momento de tanto
ódio e falta de reflexão que vivemos na sociedade. Percebam: eu não
me considerava alguém intolerante. No dia a dia não era alguém
raivoso ou violento, não tinha nenhuma característica de alguém
desrespeitoso ou preconceituoso, mas no meu íntimo e, especialmente,
na rede (aqui no blog), externava toda essa prodridão que existia
dentro de mim. E isso que sempre fui um rapaz da igreja, católico
praticante e fervoroso (outra característica que pode ser notada na
história do blog).
Como a igreja e a TV podem influenciar para o mal
Mas,
afinal, o que me influenciava a ser desse jeito? Primeiramente, e
inegavelmente, a igreja. Não é um achismo! É uma constatação ao
observar a minha
vida, a minha
experiência. Justamente por eu estar tão imerso nessa realidade,
tão envolvido no discurso religioso fundamentalista, que eu
condenava taxativamente, sem poréns ou cuidados com as palavras, o
comportamento feminino.
Lembro que em grupos de jovens e, de forma
mais marcante, em um fim de semana na TV Canção Nova, onde
participei de um retiro que eles denominam PHN (Por Hoje Não), o
cantor Dunga comparava mulheres que se vestem mais à vontade a
pedaços de carne velha expostos em um açougue. Eu cultivei comigo
esse pensamento por anos. Num DVD da banda Anjos de Resgate, eles
comparavam homossexuais a bandidos e traficantes. “Se você não
cuidar do seu filho, um bandido vai enganar ele, um traficante vai
levá-lo para ele, um homossexual vai enganar ele”, diziam (ou algo
parecido, não são as palavras exatas, mas era esse o sentido).
Lamentavelmente,
vejo muitas pessoas agirem como eu agia, pensarem como eu pensava,
motivados por esse tipo de influência.
E
quem colocava mais lenha na fogueira era a TV. O Luiz Carlos Prates,
aquele mesmo que defende administração militar nas escolas
públicas, os presidentes da época da ditadura, e que disse que
pobres não podem ter carros porque não sabem ler, era meu ídolo. O
personagem que ele vivia no Jornal do Almoço, da RBS TV (afiliada da
Rede Globo em SC), era uma inspiração para aquele garoto que
sonhava em ser jornalista. Para mim, ele falava as mais profundas
verdades, era sincero, não tinha meias palavras, enfim, era um
exemplo. Por outro lado, pelo fato de a igreja criticar muito a
“libertinagem” da TV, eu, no mesmo momento que a tinha como
escola, também me considerava o supercrítico, e assim pensava que
estava causando ao pensar e expressar certas coisas.
Eu
não vou linkar aqui os textos que mencionei porque eles não
representam o que eu penso hoje em dia e também não acho que valha
a pena perder tempo com eles. São medíocres. Por outro lado, não
vou excluí-los do blog, porque eles demonstram a minha evolução
enquanto pessoa e cidadão, e pelo menos serviram para eu ser mais
crítico comigo mesmo antes de criticar o mundo.
A raiz do ódio nosso de cada dia
Diante
disso tudo, percebo no Brasil atual um comportamento muito parecido
com aquele que sempre tive: pessoas que se consideram críticas, mas
que os pensamentos são resultado de uma combinação perigosa: o
pior das religiões, misturado com a artificialidade do fazer pensar
da TV, mais um sentimento de pessoa justa e honesta, que o coloca
acima de qualquer questionamento, especialmente o próprio.
Isso
não quer dizer que a TV deva ser banida da vida de qualquer pessoa.
Só é urgente que ela não seja a única forma de entretenimento e
informação. Também não quer dizer que alguém não possa ter uma
religião, mas ela não pode ser considerada inquestionável. E
sempre vale lembrar que acreditar em Deus e viver os bons
ensinamentos bíblicos, por exemplo, como o amor e o respeito, é
diferente de viver cegado por qualquer dogma.
Espero
que eu possa melhorar cada dia mais, para que eu não seja mais um a
perpetuar o machismo, a intolerância e o preconceito. E espero,
ainda mais, que mais pessoas possam olhar para o seu passado, seus
pensamentos e suas posições e repensem suas atitudes à luz da
necessidade de uma sociedade mais humana e justa.
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