sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Coisas que esquecemos que deveriam ser unanimidade universal

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Existem coisas que deveriam ser unanimidade entre todos os seres humanos, não é verdade? Por exemplo: não é admissível que existam pessoas que passam fome e sede. Da mesma forma, não é justificável o fato de que há gente que não tenha onde morar com dignidade, nem tenha acesso a serviços de saúde. O preconceito, seja qual for, jamais deveria ser incentivado, sob nenhuma hipótese. 


Por isso, eu não entendo as pessoas que fuçam argumentos para normalizar coisas que não são normais sob nenhuma ótica. “Ah, mas é rico é porque trabalhou por isso”. Ou “ah, mora na rua porque quer”. Ou “ah, não se esforçou o bastante”. Ou, “ah, não tem que dar o peixe, tem que ensinar a pescar”. Pior: “ah, mas como o mercado financeiro vai reagir a qualquer iniciativa que ajude essas pessoas?”. 


O mais aterrorizante é que, não raro, isso acontece defendido por justificativas religiosas. O que me traz ao infame Bolsonaro, essa besta quadrada que muitos insistem em chamar de presidente, mas que, na verdade, é apenas uma acidente da natureza, que permitiu vir ao mundo essa criatura abjeta que, por infortúnio do destino, acabou num cargo de poder.


O problema é que Bolsonaro está onde está porque ele é o sintoma de uma doença social. Quando um ser vivo fica doente e começa a ter bolhas purulentas e fétidas pelo corpo todo, a razão do mal-estar não são as bolhas purulentas: elas apenas são provocadas por uma enfermidade agressiva. São consequência, não causa.


No caso, Bolsonaro é a bolha purulenta e fétida causada pela doença social chamada normalização do anormal. O que seria essa normalização do anormal? Eu listo:


  • Ver antagonistas políticos como inimigos. É verdade que nós temos, como sociedade, divergências profundas sobre como resolver os problemas do mundo. Mas, no fim, o que deveríamos querer é que todos tenham acesso às condições mínimas para sobreviver com dignidade. Para Bolsonaro (e seus seguidores), não é assim. Só quem tem direito a condições humanas de vida são os que pensam como eles. O restante, que morra e vá pro inferno.

  • Ver a pobreza como preguiça. Quem pensa como Bolsonaro acha que pobreza é uma consequência da falta de vontade. É fácil você falar que é possível conquistar o que quiser só com o trabalho se você vive em condições para isso. Mas tem gente que não tem nem água potável em casa! Os problemas sociais são complexos demais para ter uma visão tão reducionista e simplista das coisas.

  • Ver o mundo como uma eterna luta de bem contra o mal. Tenham dó, minha gente! Isso deve ser muita Disney na vida das pessoas. Ninguém é completamente bom ou completamente mal. Mas, para Bolsonaro e seus seguidores, há um mal a ser derrotado e eles, os bolsonaristas, são o bem, os emissários de Deus.

  • Ver a religião como prova de moral. Religião não é sinônimo de retidão em nenhum lugar do mundo, nem na história. Aliás, religião não, né? Cristianismo. Para Bolsonaro, só presta quem é cristão. As outras crenças são apenas toleradas e devem se curvar à maioria. Os seguidores dessa anta pensam exatamente assim. Porém, se religião fosse sinônimo de moral, não haveria tantos casos de pedofilia na Igreja Católica e de lavagem de dinheiro em igrejas neopentecostais. Pior é que gente como Bolsonaro acha que as “ovelhas negras” dentro do cristianismo são exceção, não regra. Tolinhos!

  • Ver o mundo como um grande palco de teorias conspiratórias. Todo mundo já ouviu a expressão “história de pescador”, não é mesmo? Antigamente, isso era motivo de riso, mas hoje as pessoas estão acreditando nas histórias de pescador! E fazem mais esforço para acreditar em teorias da conspiração do que na realidade. A cegueira é tão absurda que eles se recusam a ouvir argumentos comprováveis para sustentar suas crendices ridículas, como a Nova Ordem Mundial, Terra Plana e outras sandices.


Há muito mais a ser dito, mas falar do Bolsonaro me dá gastrite, então vou parar. Ele é o pior mal que a humanidade já provou em décadas, sem dúvida. Um ser asqueroso e desprezível, desumano e mentiroso, egoísta e egocêntrico. Mas, como disse, o pior é saber que ele não é a doença, mas um sintoma dela. Se Bolsonaro deixar de existir, ou se recolher em sua insignificância, a ruindade e a desumanidade que ele representa continuarão existindo.


Claro, Bolsonaro não é o único ser desprezível no mundo. Tem muito empresário que tira comida dos pobres para engordar seu bolso, têm muitos outros políticos que deixam faltar oxigênio em hospitais para garantir sua decoração na casa de praia, enfim… Mas Bolsonaro concentra o que há de ruim em todas as pessoas e em todas as práticas nocivas à sociedade em si mesmo. Incrível a façanha desse sujeito!


Comecei este texto falando do que é inaceitável na sociedade e terminei falando do Bolsonaro. Enfim, pra dar alguma coerência ao que tô falando aqui, quero, então, elencar de novo o que eu acho que jamais deveria ser aceito, mas acaba sendo naturalizado pelas pessoas atualmente: gente passando fome e sede, gente sem ter onde morar dignamente, cidadãos sem acesso à saúde, o preconceito e Bolsonaro.


Deveria ser uma opinião unânime na sociedade. Ninguém deveria aceitar nada disso. Infelizmente, não é assim que acontece. É por isso que estamos caindo buraco abaixo. 


Enquanto não recuperarmos nossa humanidade, nossa capacidade de olhar o outro com compreensão e respeito, jamais seremos dignos deste mundo. É triste pensar assim, mas mais triste é saber que há quem não se importe com nada disso, que faça da sua vida uma grande bajulação ao próprio umbigo.