terça-feira, 10 de abril de 2012

Os 100 anos de Mazzaropi


Nesta semana comemoramos o centanário de um dos maiores cineastas que já viveu no Brasil e que, infelizmente, hoje é esquecido e não valorizado. Azar dele ter nascido exatamente no ano que o Titanic naufragou e as atenções do Brasil e do mundo estejam voltadas ao gigante inglês.
 
Imagem do filme "Sai da Frente", o primeiro da carreira
Mas o Andarilho não esqueceu do filho de Clara Ferreira, brasileira de família portuguesa, e Bernardo Mazzaropi, imigrante italiano, que já viviam casados por volta do ano de 1910. A cultura do café estava a pleno vapor no país. Mas, por morar na capital paulista, a renda deles era garantida através dos meios urbanos de ganhar a vida: Clara trabalhava como empregada doméstica e seu Bernardo como motorista de carro de aluguel. Nas horas vagas, ele vendia um tecido muito usado para a confecção de roupas, chamado casimira. Para ampliar as vendas, viajava com frequência para o interior do estado. Tudo para preparar a família a fim de receber o primeiro e único filho, que nasceu em 9 de abril de 1912: Amacio Mazzaropi.

Com as dificuldades financeiras, Bernardo se obrigou a voltar, com mulher e filhos, para uma das primeiras cidades onde havia morado ao chegar ao Brasil: Taubaté. Lá, empregou-se na primeira indústria têxtil da cidade que trouxe novas esperanças à família. Não demorou e Clara também já havia se tornado funcionária da indústria. Estava preparado o terreno para o jovem Amacio ter os primeiros contatos com a arte.

O garoto começou a ser cuidado pelo avô materno, que fazia pequenos shows pela cidade. Com a viola companheira, o avô de Amacio apresentava músicas e danças para os moradores de Taubaté.

Mas foi com dez anos que o garoto, já na escola, começou a demonstrar interesse por arte e pelo teatro. Amacio já sonhava com a carreira de ator e costumava devorar livros como o “Lira Teatral”, organizado por José Vieira Pontes, e compilava monólogos, cançonetas, cenas cômicas, poesias e duetos.

Aos 14 anos Amacio entrou para o circo. Mais tarde, com 17 anos, foi encorajado a sair da sua trupe por um advogado, espectador assíduo, que garantia que o jovem tinha muito futuro pela frente e não precisava ficar preso àquela companhia circense.

Arrumou emprego na indústria têxtil de Taubaté, juntou o dinheiro que precisava para, um ano mais tarde, dirigir e atuar sua própria peça teatral, já se apresentando como Mazzaropi e incorporando o caipira: exatamente o personagem que o consagrou.

Mais tarde, aproveitando-se da quantidade de imigrantes italianos, principalmente, que chegavam a São Paulo para viver e trabalhar, Mazzaropi fixou as apresentações de sua Trupe no Teatro Colombo no bairro Brás, exatamente onde a maioria dos imigrantes passou a morar, por conta dos terrenos baratos, baixas taxas de aluguel, oportunidades de trabalho e transporte fácil. Ao fim do dia, tomados pelo cansaço e ainda habituando-se a um novo estilo de vida, esses moradores buscavam atrativos culturais e de lazer pela região. Foi mais uma importante contribuição para que Mazzaropi se tornasse um nome ainda mais popular naquelas paragens.

Tal popularidade levou o comediante ao rádio. Claro, além da popularidade, o próprio estilo de trabalho de Assis Chateaubriant, presidente dos Diários Associados e, consequentemente, da Radio Tupi, local onde Mazzaropi iniciou sua vida no rádio, ajudou na inserção do personagem caipira neste, então, novo meio de comunicação.
É que Chateaubriant havia investido muito em tecnologia e infraestrutura para garantir a qualidade da filial paulista da sua rádio. Para que a programação pudesse ir ao ar, restou fazer acordos com casas de shows, para que os artistas se apresentassem em dois locais – nas casas de show e na rádio – por um único valor. Outra saída foi a contratação de artistas nacionais de sucesso, mas que tivessem um cachê modesto. E Mazzaropi se enquadrava nessa situação.

O tempo foi passando e as empresas de Chateaubriant foram ganhando filiais por todo o Brasil. Para garantir a audiência das rádios dos Associados em todos os locais onde estavam instalados, criou-se a Brigada da Alegria, reunindo os grandes nomes da Rádio Tupi: Henricão e Rosa Maria (conhecidos como Barão das Cabrochas e Cabrochinha do Samba), Linda Batista, Michel Allard, Hebe Camargo e Amacio Mazzaropi.

Diferentemente da “entrada” no rádio, onde havia sido convidado para trabalhar, Mazzaropi chegou à televisão através de uma iniciativa própria. No ano da estreia da televisão, 1950, querendo expandir seu trabalho e de olho nas novas possibilidades que poderiam surgir ao ingressar no mais recente meio de comunicação, o ator preparou um programa piloto e convidou os amigos João Restiffe e Geny Prado para apresentarem nos estúdios da TV de Chateaubriant. No dia seguinte, a tesouraria da emissora entrou em contato com Restiffe, dando a notícia de que o projeto havia sido aprovado.

Mazzaropi e Geny Prado, que sempre viveu a mulher
do Jeca
O mais curioso é que a televisão era um meio de comunicação altamente elitizado, e Mazzaropi fazia um programa declaradamente popular, contando, inclusive, com a participação de duplas sertanejas, como Tonico & Tinoco. E a música sertaneja era a representação do que havia de mais popular. Ainda assim, a imprensa costumava publicar muitas críticas elogiosas. O jornalista Airton Rodrigues, da revista “O Cruzeiro”, descreveu o jeca como “o maior caipira do rádio e da televisão” e como “a figura mais popular da televisão”.

A carreira de Mazzaropi na televisão terminou em 1954, dois anos após sua primeira aparição no cinema, meio ao qual dedicou a maior parte da sua vida e do seu trabalho. O ator tomou essa decisão por mais de um motivo. Além de querer se dedicar ainda mais à sétima arte, ele acreditava que a TV acabava por desgastar a sua imagem e as suas piadas. Mazzaropi costumava dizer que no cinema as pessoas ficavam com saudade dele porque era apenas um filme por ano.

A saudade, agora, permanece até hoje.

Este texto é um trecho adaptado e extraído de "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional", monografia de minha autoria concluída neste ano (2012).

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