sexta-feira, 8 de junho de 2012

Museu Mazzaropi: o desconhecido de Taubaté

Acordei cedo. A manhã era ensolarada. Eu ainda não tinha visto nenhum amanhecer em Taubaté. Havia chegado no dia anterior, à noite.
As ruas estavam vazias. Ao longe, ouvia o cantar de um coral. Provavelmente alguma igreja em missa naquele domingo de manhã. Eu estava aflito. Tinha poucas informações das que eu precisava. Desde que eu coloquei meus pés nas terras do Vale do Paraíba, ninguém soube me informar onde ficava o museu do Mazzaropi, muito menos como se chegava até lá.

Pedi informação para uma senhora que passava, sozinha, na rua deserta. Ela também não soube dizer. Outro senhor passou e também perguntei. Ele não sabia, também, onde ficava.

Fui para o ponto de ônibus. Uma moça estava lá. Demorei alguns minutos até que pudesse tomar coragem para perguntá-la alguma coisa. Ela me parecia um tanto indisposta a falar. Respirei:
- Você sabe me dizer como eu faço para chegar no museu do Mazzaropi?
Ela pensou um pouco antes de responder:
- Desculpa, mas não sei te dizer. Mas faz assim: pega o ônibus até a rodoviária velha [que é o terminal central de ônibus em Taubaté]. Lá sai ônibus para toda a cidade. Daí você pergunta.
Lamentei com ela que desde que chegara ali ninguém soube me dizer como chegar até o museu.
Ela fez uma cara de pesar, apenas. Olhou para o outro lado, para a rua:
- Lá vem um ônibus. Esse vai para onde você precisa.
Agradeci.

O ônibus encostou. Eu estava com uma mala e uma mochila nas costas. Foi difícil passar a catraca. Me acomodei e fiquei prestando atenção nos lugares onde o ônibus passava. O ponto final seria no meu local de destino. Não tinha erro!

Engano meu!

O ônibus parou no Centro, mas não na chamada “Rodoviária Antiga”. Andei algumas quadras procurando, mas não achei. Antes de perguntar onde ficava, resolvi ir até um ponto de táxi. Queria evitar que não chegasse ao museu em tempo. Eu tinha somente até meio-dia para fazer minha visita, e já eram quase 9 horas.

- Bom dia, senhor! - Interrompi o taxista lendo o jornal. - Você sabe me dizer quanto custa para chegar no museu do Mazzaropi?
- Museu do Mazzaropi? - Perguntou o homem, pensativo.
- No bairro dos Remédios. - Tentei ajudar com as informações que eu tinha.
- Sei, sim. Acho que uns 15, 20 reais.
Respirei aliviado. Era menos do que eu imaginava.

O carro branco percorria por entre ruas mais movimentadas e outras menos. O taxista começou a contar dos anos passados, quando, ainda jovem, passava por aquelas bandas e via o empresário Amacio andando nas proximidades de seu Hotel Fazenda.
- Conheço gente que tem histórias pra contar do Mazzaropi. Falavam com ele. Eu só via o homem andar sozinho por esse lugar todo aí. - Dizia o taxista apontando para a beira da estrada.
Talvez não fosse verdade que o artista andasse sem rumo pelas ruas de Taubaté. Mas, certamente, era verdade que ele havia estado ali por perto.

Logo atravessamos o viaduto que passava por baixo da Via Dutra. Não demorou, estávamos em frente ao Hotel Fazenda Mazzaropi.
- Quero deixar o garoto aí dentro. - Avisou o taxista ao porteiro. Logo já percebi que ele não sabia exatamente como funcionavam as coisas por ali. O museu não era dentro do Hotel Fazenda. Isso até eu já sabia.
- Preciso ir ao museu. - Me intrometi.
- Ah! O museu? É nessa rua de chão aqui do lado. Um pouco pra frente, depois de um muro vermelho.
Agradecemos e logo já fomos na direção indicada pelo segurança. Mas de prontidão vi que ele não sabia onde estava indo. Contou-me algumas de suas histórias exageradas e eu não via o momento de chegar, enfim, ao museu.

- Acho que já passamos. - Alertei.
- Será? Mas não vi nenhum muro vermelho! - Interpelou o taxista.
- Mas não vejo mais nada lá na frente. Vamos voltar. Aqui até já acabou o muro do Hotel Fazenda!
O taxista concordou. Fez o retorno e logo já vimos o museu. Havíamos passado muito! Paguei e me despedi com pressa. Não estava mais me agradando aquelas conversas.


Entrada do Museu Mazzaropi, em Taubaté/SP

O carro ia se afastando. Me organizei e, antes de entrar, prestei atenção na faixada do museu. Era um prédio novo, moderno, que não remetia nenhum pouco à área rural, ou a engenhos, casas de sapê ou qualquer construção de jecas pobres, os retratados por Mazzaropi. A entrada, aliás, chamava a atenção pelo respeito e cuidado com a acessibilidade.

Mas todo aquele cuidado parecia abandonado. No caminho, eu só havia percebido uma placa indicativa da localização do museu. O transporte para lá não era facilitado. E olha que tudo era menos distante do que eu imaginava!

No ar, o som dos pássaros festeiros espalhados pelo lugar de verde abundante. No chão, as folhas secas se espalhavam na entrada do museu, como se não tivesse sido varrido há dias. Nenhum carro, nenhum movimento. As árvores projetavam sombras no chão por entre as folhas banhadas pelo sol da manhã. E o vento soprava sobre elas, levemente. Quebrando todo aquele silêncio, estava somente o barulho das rodinhas da minha mala.

Entrei. O teto era alto. Olhei para todas as direções e não vi ninguém. Decidi avançar, apesar do medo de o atendimento ainda não ter começado. Mas já deveria! Não eram 9 horas ainda, e, pelo que haviam me passado, o museu abria às 8.

Uma cobertura arredondada e moderna se destaca na arquitetura do espaço. A entrada é uma sala grande e vazia, exceto por alguns equipamentos antigos de filmagem que ficam à direita da porta: câmera, microfone, grua, uma cadeira de diretor, um baú, mesa, travelling. À frente, uma bancada sem ninguém. Me aproximei dela, tomando cuidado para fazer barulho mais que o necessário.

Enfim, alguém surgiu do andar de cima.

- Olá! Bom dia! - Recepcionou-me a moça.
- Bom dia! Eu gostaria de saber como funciona a visitação. Está aberto o museu já?
- Sim, eu vou descer para conversar. Um minuto.

A moça desceu. Gabriela, o nome. Ainda tenho o cartão que ela me deu.
Gentilmente, ela sugeriu que eu acomodasse minhas malas atrás da bancada. Prontamente deixei todo aquele peso no local indicado e segui para uma sala ao lado do hall de entrada, onde começava a exposição.

Ali a história de Mazzaropi é contada em painéis interativos com muitas fotos, e divididos por etapa da vida e da filmografia do artista. Paralelamente à parede onde estão instalados os painéis, ficam as vitrines que guardam muitos materiais de cena: certificados de aprovação pelos censores da Ditadura Militar, figurinos, dinheiro cenográfico, objetos de cena, fitas, latas, máquinas de escrever, entre tantos outros objetos usados por Mazzaropi e em seus filmes.
Naquele mesmo espaço, algumas cadeiras estofadas ficam acomodadas em frente à uma TV, onde é exibido um documentário sobre a vida e a obra do cineasta.

E foi assistindo os filmes, o documentário, conversando com os funcionários do museu, com a população desinformada de Taubaté e lendo muito sobre o maior jeca do cinema nacional, é que eu consegui mergulhar na filmografia de Amacio Mazzaropi.


Figurino e dinheiro cenográfico utilizados no filme
"Nadando em Dinheiro"

A espingarda torta, um dos símbolos do jeca, utilizada em
vários filmes; entre eles "O Grande Xerife"
Placa do curtiço onde o jeca morava em "Sai da Frente"
Este texto é um trecho extraído de "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional", monografia de minha autoria concluída neste ano (2012).

4 comentários:

Anônimo disse...

Que descaso!
O maior cidadão de Taubaté e as pessoas nem sequer sabem onde fica seu museu.
Cara, estou mesmo muito curioso para saber mais. Você conversou com pessoas da cidade, entrevistou alguém mais que não fosse no museu? Encontrou pessoas que conheceram Mazzaropi realmente, pessoalmente?
Esse post é parte do seu TCC ou algo escrito especialmente para o Andarilho?

Juliano Reinert disse...

Então... Sim, esse texto faz parte do meu TCC e, portanto, não, não foi escrito especificamente para o Andarilho.
E também não entrevistei ninguém de lá porque não era o objetivo (verificar como a população de Taubaté via ou conhecia ele). Também não estava na minha metodologia. Mas taí uma coisa interessante para se fazer. Rende pauta! Pena que eu não tô atuando na área. haha

Juliano Reinert disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Snaga disse...

E quando é que eu vou ler seu TCC????