Escrevo este texto num momento de muita angústia, em que meu
coração me instiga a desabafar. Se não o fizer, não conseguirei levar meu dia
adiante. Existem coisas entaladas na garganta que precisam ser ditas e que
devem ser expressas antes que seja proibido fazê-lo.
Tudo começou com o pastor Marco Feliciano. Sei bem que ele
não é o arauto do ódio, porque antes já tínhamos Myrian Rios e Silas Malafaia,
mas o Feliciano está num lugar onde não deveria estar. É legítimo (talvez não
tanto, mas isso é outra discussão) que ele seja deputado, afinal, ele recebeu
uma votação expressiva para isso e é aos seus eleitores que ele deve
representar. Mas deve ficar claro o motivo da rejeição e dos protestos contra
este deputado-pastor: hoje ele quer
representar justamente as pessoas que não votariam nele: participantes de
religiões de origem Africana, índios, feministas, gays. Enfim, as minorias.
Ele diz que deve permanecer na presidência da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias para “defender a família”. Que família?, eu
pergunto. As famílias de mães solteiras? As famílias de pais solteiros?
Famílias de pais divorciados? Famílias onde os pais são ausentes e os filhos
são criados pelos avós, tios? Não.
Feliciano, ao falar de família, acha que todas são exatamente do jeito que ele
e sua igreja querem que seja: pai, mãe e filhos. E, sinto dizer, a população
brasileira não vive mais sob essa construção hegemônica de família.
Ainda assim, sob o guarda-chuva de Feliciano, estão
amparados os discursos de todos os reacionários do país. E nenhum desses grupos
é composto por gente boa: machistas, nazistas, defensores da ditadura militar e
fundamentalistas. Afinal, esse discurso de que os gays serão culpados pela
“destruição da família” não cola mais desde que o divórcio foi permitido por
lei. Sobre divórcio, aliás, Jesus fala claramente e diz que “Moisés permitiu
por causa da dureza dos vossos corações”. Mas sobre os gays... bem... Jesus nunca falou deles.
Não que eu negue que a Bíblia os condena. Disse apenas que Jesus nunca falou disso. Mas não é a
questão deste texto. Eu aprofundei essas questões em outra publicação, que você
pode conferir se quiser. E nem adianta usar isso como argumento nos
comentários, porque este texto não se trata disso.
Voltando. O divórcio já foi um “golpe legal”, digamos assim,
na construção evangélica da família. E as igrejas já tiveram que se adaptar a
isso, se não, perderiam fiéis. Não vejo nenhum deputado esbravejando contra a
lei do divórcio e propondo medidas que anulem este direito. Porém, não duvido
que isso um dia possa acontecer se o Brasil virar, ao invés de uma democracia,
uma teocracia.
Feliciano está me fazendo ter asco dos evangélicos, algo que
eu tento com todas as minhas forças controlar porque, diferentemente da minha emoção, minha razão sabe que nem todos pensam e são como ele. Tanto é verdade que
eu sou cercado de evangélicos e, por ser católico, também convivo com centenas
de pessoas que têm os mesmos pensamentos defendidos por Feliciano. Mas não
adianta. Feliciano instaurou estado de guerra neste país.
Desse modo, as coisas estão ficando “oito ou oitenta” e
todos estão vendo apenas os extremos dos dois lados. Para os que não apoiam o
movimento gay, acreditam que este é composto por um bando de baderneiros. E
para os que não pensam como os evangélicos, acabam por julgar todos eles como
atrasados intelectualmente, tal qual Feliciano.
Marco Feliciano, infelizmente, está a protagonizar um
retrocesso gigantesco no nosso país. O Brasil, se continuar no ritmo que está,
se tornará uma nação regida por leis ditadas pela Bíblia, da mesma forma que os
países do Oriente Médio misturam o Estado com a religião e cumprem leis de
acordo com suas orientações religiosas. Isso é muito, muito, muito perigoso.
Falam em “ditadura gay” porque, de certo, não sabem o que é
ditadura. Acaso alguém está obrigando alguém a ser gay? Acaso as rádios estão
proibidas de tocar música sertaneja para transmitir a voz da Madonna, da Cher,
do Elton John? O movimento gay não está
exigindo nenhum privilégio, apenas que sejam concedidos a eles pelos menos 76 direitos de cidadania que lhes são
negados por conta da condição sexual deles. Exatamente: quem é gay perde,
hoje, quase 100 direitos civis. E há ainda quem diga que ser gay é uma opção.
Por desconhecimento ou total falta de honestidade, a bancada
evangélica negocia fisiologicamente com este governo – que cada vez mais me decepciona – contra programas educacionais e propostas legais de criminalização da homofobia. Enquanto isso, homossexuais morrem ou são agredidos por causa do preconceito. Sim, heterossexuais são vítimas de violência também. Porém, NINGUÉM é agredido na rua simplesmente
por ser heterossexual. Parece difícil de compreender, de tão banal que é
isso, mas trata-se de um fato: pessoas
são agredidas por serem quem são. Só por isso.
As únicas exceções nessa história são as mulheres e o povo
negro. Elas sim são agredidas simplesmente por serem mulheres; e para isso
existe a lei Maria da Penha. Para os negros existe a lei que criminaliza o
racismo, quando negros são violentados somente por causa da cor da sua pele.
Mas para os gays... bem... eles podem ser diminuídos, violentados que nada vai
acontecer. Dirão “ah, agora tudo virou homofobia”, contratarão um advogado que
vai dar uma desculpa qualquer e o machão de plantão sai ileso, enquanto o
outro, com o nariz quebrado e graves consequências psicológicas.
Por fim, preciso dizer que estou triste com o mundo. Triste
de ver cristãos tendo como bandeira o ódio. Tristes por ver gente usando a
palavra de um Deus que dizem ser de amor para tirar direitos de outros
cidadãos, regrar a vida daqueles que são diferentes de si, limitar a existência
de seres humanos.
E estou preocupado. Porque para político ladrão o Brasil se
revolta facilmente e não é difícil incitar a população a rejeitar alguém que
rouba. Mas quando a injustiça parte daqueles que usam a máscara do
cristianismo, os seguidores do sujeito o defendem como defenderiam o próprio
Cristo, espalhando ainda mais a violência e a intolerância e colocando, na boca
daquele que pregou o amor e a justiça, uma mensagem de exclusão e condenação.
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