Não suporto quando as pessoas desvirtuam o assunto. Eu digo: "mas isso é errado!", e elas: "quem manda fazer as coisas tão caras?". No momento em que eu estou falando da prática da pirataria eu estou falando de um crime cometido por milhões de brasileiros infelizes e não da culpa da carga tributária do governo. Não é meu interesse defender o exagero de carga tributária repassada aos produtos, mas também é um erro achar que isso é desculpa para roubarmos.
Vamos ser mais claros. Comecei a coisa de forma muito direta.
Pirataria é crime. Isso é fato. Vamos apurar, então, antes de mais nada os prós, ou seja, os argumentos a favor de quem pirateia.
Hoje a sociedade está vivendo uma crise. Mal conseguimos comprar as coisas básicas para sobrevivência com nosso salário. Desfrutar de filmes, músicas, jogos passa a ser coisa de luxo. Ou recorremos a meios mais baratos ou nos contentamos com as rádios, a Sessão da Tarde e o jogo do "Paciência", isso pra quem tem computador.
Outros vivem disso. O emprego está ruim, não surge oportunidades e é preciso ganhar a vida de alguma forma. O que eu faço? Um negócio próprio. Assino uma promissória, compro um monte de tênis "made in Paraguay", copio CDs, DVDs e jogos e começo a vender. Só assim consigo ajudar a minha família. Estou trabalhando, não roubando (será?)... isso que é importante.
Vamos então aos contras dessa história. Sabe aquela pessoa que não tem nem dinheiro direito pra comprar o que comer, ou passa o mês apertaaaado e tá difícil de fazer qualquer coisa? Bem, será que ela deixaria as necessidades básicas para comprar um CD? Um DVD? Um tênis de marca? Não, né? Por que será? Justamente porque não é necessário. Ver um filme, ter um disco e calçar tênis de marca não é algo básico para sobrevivência, podemos comprar esporadicamente, quando a economia ajudar. Ao contrário de arroz e feijão. Tá certo, Juliano, então quer dizer que as pessoas não tem mais direito de se divertir? Vão ter que viver pra trabalhar?
Não, não acho isso. Até me dói no coração. Sério mesmo. É triste ver que as pessoas estão tendo cada vez menos direitos de lazer e um acesso restrito à arte como um todo e a bens de consumo diversos. O fato é que o nosso segundo exemplo pode explicar os malefícios de alguém que, só por querer ter o direito de acesso à arte, acaba causando um transtorno legal num esquema criminoso gigantesco.
Aquele cara do segundo exemplo, mesmo que só ganhando a vida e querendo sobreviver de modo "justo" acaba sendo injusto comigo, com você que me lê e a mais milhares de trabalhadores e pequenos empresários brasileiros que vivem do mesmo ramo. No último mês, só do meu salário descontaram R$250 de tributos. Quanto ele paga? Nada! Tá, mas ele tá numa situação mais difícil. O segundo problema: geralmente produtos pirateados oriundos de exportação, como tênis, por exemplo, são transportados de forma ilegal, sonegando muitos impostos e pior: alimenta uma teia de crimes inclusive ligados ao tráfico de drogas responsáveis, só aqui em Joinville pela morte de 58 pessoas só no primeiro semestre desse ano. Quem dirá São Paulo, Rio de Janeiro, por exemplo.
Os que não vêm de contrabando são produtos gravados na casa de gente que, apesar de não alimentar o tráfico, mas não está garantindo sua sobrevivência com a pirataria, mas sim, tirando um dinheirinho extra. É alguém que tem um bom computador, tem casa pra fazer o trabalho e carro para fazer o transporte. Ou seja, o cara não tem necessidade, sonega impostos só para benefício próprio.
Daí a gente reclama dos políticos, né? Pois é. O desfecho dessa história não pode ser mais lamentável. Todos esses tributos que pagamos vêm de decisões de políticos corruptos com interesses pessoais que pensam iguaizinhos a pessoas como esse último exemplo que citei aí. E causa transtornos na sociedade desestruturando valores éticos de pessoas que fazem isso só para ter o que comer, como os dois primeiros exemplos e que, sem querer, financiam o crime.
Além do que, eu poderia dizer que 70% de quem consome pirataria teria condições de comprar um CD original, ir ao cinema ou comprar um DVD original.
O fim dessa história? Todos já sabemos. Ou não, mas aí vai: a indústria fonográfica brasileira demitiu nos ultimos anos tanta gente que já chega a casa dos milhões, segundo o jornal "A Notícia". Existe falta de mão de obra pela queda da produção. Isso faz com que os valores subam mais ainda.
Há alguns dias o Jornal Nacional falou da crise que vive a indústria do cinema. E pasmem: é Hollywood, não a Globo Filmes brasileira.
Aqui, salas de cinemas têm sessões canceladas por falta de público. É o caso do Grupo Arco-Íris de Cinemas em SC. Locadoras vivem agora na "pindura" e as que sobrevivem são somente as maiores com estrutura bem reforçada por terem anos de tradição. Das pequenas, ou o cara tem que ter muito jogo de cintura, ou muito dinheiro. E eu conheço alguns donos de locadoras... Eu mesmo queria abrir uma com uns colegas meus. Fomos ao Sebrae e o cara torceu a cara... Tudo isso que eu falei é desemprego.
E se formos mais longe, até as empresas de logística - a longo prazo - podem sofrer as conseqüências. Se não tiver o que transportar, pra quê manter caminhoneiros e caminhões na estrada?
Num processo de fabricação de um CD são milhares de pessoas envolvidas. Na pirataria de um CD, uma só é necessário para gravar. Não tem nada a ver com o artista. Os mais prejudicados são as pessoas envolvidas no processo. O artista tem shows, direitos autorais e os ignorantes acham que vender CD enriquece a banda ou cantor. Vendagem de CDs, hoje, é mais sinônimo de status do que lucro. Pros artistas. Pra outras milhares de pessoas é instinto de sobrevivência. Só que com esses a gente não tem contato e acaba se esquecendo.
E continuamos nós fazendo corrupção e querendo o Brasil um país menos corrupto... Dá pra entender?
Obs. 1: O que é pirataria? É produzir, difundir por meio ilegal algum produto e/ou serviço legalizado de maneira a obter lucros pessoais por meio de produtos alheios. Ou seja, se eu baixo música pra mim eu não pirateei. Mas se eu gravei um CD e vendi, é pirataria. É bom salientar que os dowloads de músicas pela internet estão sendo, aos poucos, legalizados e não estão sendo cobrados. Ou seja, ninguém sai perdendo, tá tudo legal. Mas não é em todo lugar ainda.
Filmes e jogos, porém, continua sendo crime. Se não você, o usuário, mas quem disponibilizou isso é o criminoso.
Obs. 2: Pirataria é o mesmo que roubar. Se não é meu eu não tenho direito de tirar proveito daquilo.
Obs. 3: Afora CDs, DVDs e jogos (e inclusive esses, mas não nas mesmas proporções), o restante do que é pirateado em quase sua totalidade é oriundo do crime organizado.